Festival Imagem e Palavra – Um Festival que Semeou Histórias e Imortalizou Memórias
O Festival Imagem e Palavra: Um Festival que Semeou Histórias e Imortalizou Memórias foi realizado em Joaçaba.

Hoje vou contar um causo: Há muito tempo, num tempo tão distante que se perdeu no próprio tempo, lá nos primórdios, quando nossos ancestrais aprenderam a controlar o fogo, muito antes de começarem a se comunicar através da palavra. Numa noite em que as estrelas faiscavam no céu, tal qual a fogueira que eles haviam acendido, um membro da tribo começou a contar a primeira história: gesticulando muito com as mãos, grunhindo, utilizando o corpo para imitar um combate e dramatizando a cena, jogou-se no chão e, deitado com as pernas viradas para o alto, as balançava freneticamente. Depois, rolava na terra, gemia alto, saltava, ficava de cócoras, apertava o pescoço com as mãos como se estivesse sufocando, chutava o nada, saía correndo, parava repentinamente e voltava balançando a cabeça, como quem diz: "E foi assim que aconteceu meu embate com um tigre dente de sabre, e como, heroicamente, eu me salvei!
Aquela epopeia heroica foi passando de pai para filho, até que, um dia, foi enterrada junto com o último descendente da família. Gerações foram surgindo e sucedendo outras gerações, enquanto o tempo seguia seu destino.
Os primeiros bares estavam a milhares de anos de serem criados, há cerca de 9.000 anos, quando um chinês, cozinheiro da aldeia, foi apanhar um pouco de arroz que estava guardado na dispensa. Um sopro forte vindo da natureza havia tombado o pote que guardava o cereal, que acabou deslizando e caindo dentro de outro vasilhame que continha mel e frutas. E a mágica da fermentação aconteceu...
O curioso aldeão resolveu experimentar aquela mistura. Bebeu um gole e gostou. Tomou mais um gole e começou a sentir uma alegria repentina. Repetiu a dosagem até se embriagar com aquele néctar dos deuses.
Então, travestido com sua euforia, encheu uma tigela com o líquido e saiu cantando e dançando pelo vilarejo. Cada pessoa que encontrava, abraçava e servia um gole da bebida, que extasiadas e contagiadas com sua felicidade bailaram até a noite se debruçar no horizonte.
O tempo foi seguindo seu curso, como o vento que, soprado incansavelmente sobre o vale, vai esculpindo a paisagem enquanto presencia chegadas e partidas. No meio dessa viagem, cunhada no barro, a palavra ganhou forma e vida, e seguiu sua jornada, contando histórias da terra, e correndo com as águas do rio que carrega consigo contos que vão desaguar no mar.
Os bares forjados na argila que ergueu as primeiras tavernas, acolheram as primeiras almas boemias quase ao mesmo tempo em que os traços que eternizaram falas foram rabiscados, há cerca de 5.500 anos.
E sendo o tempo o motor que faz girar a história, bares acabaram se firmando como centros de debate intelectual e literário a partir do século XVII, estabelecendo definitivamente uma ligação entre a palavra e a liberdade que pulsa nos botequins.
Neste mesmo período, ao se tornarem pontos de reflexão no coração cultural da Europa, surgiram os primeiros registros visuais desse pulsante palco artístico, eternizados por meio de tintas, pincéis e telas.
Da lama que primeiro moldou a palavra, às paginas que guardam versos em livros, das tintas, pincéis e telas que primeiro registraram a realidade às fotografias que aprisionam imagens para a eternidade. O tempo se encarregou de aprimorar os meios para que ele fosse capturado e imortalizado. E então, seguindo nesta correnteza nasceu o cinema capturando palavras, imagens e seus movimentos.
O Festival Imagem e Palavra, idealizado e realizado pelos artistas Jaqueline Silveira e Carlos Eduardo Carvalho, marcou a semana que passou com uma proposta cultural fantástica: unir fotografia, literatura e cinema, e construir diálogos com o público presente, resgatando comportamentos que se perderam em suas épocas, sufocados pelas mudanças que a vida impõe.

O Espaço Cultural Morada da Floresta, dos anfitriões Rita e Alvarito Baratieri, fincado em meio à exuberante mata nativa, no alto do morro, no bairro Flor da Serra, com uma fantástica vista do vale que abriga nossas cidades, foi o panorama escolhido para abrigar esses momentos, que não serão enterrados e nem perdidos no próprio tempo, pois agora serão registrados pela palavra e pela imagem, o combustível do Festival. É um ambiente acolhedor e inspirador, com suas imponentes árvores, sua trilha construída com uma passarela de madeira e seus anfitriões gentis e cordiais.
A abertura, no dia 16 de julho, transmitida ao vivo pelo Instagram, ficou a cargo do fotógrafo mineiro Gustavo Minas. Reconhecido como referência mundial na fotografia de rua, ele se dedica a registrar o cotidiano das cidades onde vive, atualmente Brasília, com trabalhos publicados em veículos renomados como Folha de São Paulo, El País, The Atlantic e The New York Times. Gustavo compartilhou sua vasta experiência em um diálogo envolvente com o público.
No segundo dia do evento, 17 de julho, a Oficina 'Palavra na Lente' proporcionou um encontro entre a palavra e a imagem. O objetivo foi despertar, sensibilizar e provocar os participantes para a experiência artística narrativa, com a construção de uma breve narrativa poética ligada à memória e à imaginação, impulsionada por fotografias.
No sábado, dia 18, aconteceu o segundo lançamento do livro 'Na Beira do Tempo' – um dos pontos altos do Festival. Trata-se de uma união fascinante de duas narrativas: a da imagem e a da palavra, utilizadas para eternizar quatro bares antigos que guardam em suas paredes parte da memória de comunidades rurais do Meio-Oeste de Santa Catarina.

Rememorando o princípio de tudo: com o fogo estalando na lareira e os participantes sentados em uma roda, tal qual a fogueira ancestral reunindo ao seu redor contadores de causos e lendas, desenrolou-se um bate-papo comandado pelos autores, pela editora de livros Aline Assunção e pelo fotógrafo Cláudio Peruzzo. Eles compartilharam seus conhecimentos, saberes e suas histórias. Entre o público, que reuniu artistas e amigos, estava o senhor Nelson Still, proprietário do "Bar do Seu Nelson" em Tangará, cujas paredes foram eternizadas na obra. Do alto de seus 90 e poucos anos, dono de sabedoria e de uma rica vivência, ele proporcionou momentos valiosos com narrativas que marcaram sua epopeia.
A obra evoca em sua criação a mesma urgência de eternizar pontos que se estabelecem como cenário histórico desses povos. Contudo, desta vez, não se trata de grandes centros que registraram debates entre pensadores que se tornaram marcos de uma época. O olhar apurado do fotógrafo Carlos Eduardo Carvalho e a sensibilidade literária da escritora Jaqueline Silveira encontraram nestes refúgios da solidão, abrigos de conversas que narram acontecimentos do cotidiano. Tais registros são tão importantes e cruciais para a existência dessas pessoas, quanto foram os debates que movimentaram os bares de Londres e Paris no século XVII, que se mostraram relevantes para as comunidades daquelas cidades, naquela ocasião.
Histórias que agora não se perderão pela falta de registro, tal qual a do membro da tribo, primeiro narrador ou a do aldeão chinês, restando apenas serem recriadas pela imaginação.
No último dia do Festival, como se estivéssemos no cenário de um filme do diretor Terrence Malick, em profunda conexão com a natureza, as árvores que compõem o jardim do Espaço Cultural Morada da Floresta abraçaram e acolheram os visitantes. Sentados sob seus galhos e suas folhas, os participantes acompanharam um bate-papo com Jana de Liz e Gabi Bresolla sobre suas experiências no audiovisual, trazendo suas vivências no set de filmagens, seus desafios e seus olhares sobre o mundo da sétima arte para dentro do local. Na sequência, ocorreu o lançamento do livro “Desenhos imprecisos e outras formas de existir sobre o papel”, da artista e curadora Kamilla Nunes.
Da mesma forma que a natureza serviu de refúgio para o Festival, a feirinha literária da Editora Editora ofereceu abrigo para as palavras.
Em seguida, no espaço da biblioteca, uma prosa sobre as obras de três escritoras começou com Mariana Berta, relatando sua vida no campo e sua relação com a terra. Seguiu seu curso até Rita Baratieri e a figura da lavadeira, guardiã das águas do rio, e desembocou na vastidão do mar de memórias de Jaqueline Silveira. Provocado por essa imersão poética que despertou sua sensibilidade, o público foi estimulado a abrir as asas e a perambular por sua imaginação.
O curta-metragem “O tropeiro e o demônio branco”, de Jana de Liz, uma história de terror carregada de crítica social e elementos do folclore lageano colocou o ponto final no evento.
A fotógrafa Laiane Telles foi a encarregada de, através de sua lente, capturar os momentos marcantes destes quatro dias, perpetuando suas imagens enquanto o tempo continuar seguindo sua viagem. As falas ganharam sua tradução para libras, através da intérprete Taís Garrido, enquanto a assessoria de imprensa e comunicação foi feita pela Eccoa Comunicação.
O Festival Imagem e Palavra concluiu sua passagem no Vale do Rio do Peixe de forma espetacular, deixando sua marca enraizada na memória de quem teve o privilégio de estar presente. Ele semeou palavras, eternizando aqueles dias em nossas mentes, tal qual se imortaliza o primeiro filme que assistimos em nossas vidas.
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